terça-feira, 8 de outubro de 2013

O sono dos vencidos

Passei a noite fugindo
do monstro,
do avião,
do herói ,
do vilão.

Sem razão,
o medo,
a única certeza,
meu chão.

Não venci nenhum desafeto,
não ganhei nenhuma batalha,
apenas arrumei malas
e fugi.

Muda a paisagem,
o emprego,
o amante,
os amigos,
o cinzeiro.

Fugi.

Mas quando acordei,
ainda estava aqui,
fugindo de mim.


segunda-feira, 30 de setembro de 2013

À distância

À noite,
bares,
conversas,
conhecidos,
desconhecidos,
eu,
você,
olhares,
de sim,
de não,
de histórias
contidas
à distância.

Monocromia

Entre um piscar e outro,
uma lágrima cai.
Resumo de minha
melancolia
cinza,
monocromia.

Pedra

Seca
que até a lágrima...

que até o nó...
Ausente
que até o presente...
Pedra
que já nem sente.

Amigos

Ah! os amigos...
Se não fossem eles,
quem estaria comigo?

Até a solidão me desacompanha.
Chorar é uma façanha.
É que o peito de tão cansado
dorme enfadado.

E a lágrima seca na pele deserta..
E o sorriso é tímido quando despido.
E o ouvido é surdo ao burburinho do mundo.
E os olhos não enxergam, só esperam...

A presença dos que me querem bem são presentes...
Amigos que acordam o coração
e aliviam o peso da gente!








Solidão

Danço
a dança
do último
balanço
e lanço
olhares
a espera...
azares,
uns veem,
outros vão..

Só,
me acostumo,
não me assusto,
abro um livro,
nele vivo,
outros mundos.

Estar

A incógnita do futuro,
o medo do que eu não vejo,
a incerteza do que é belo,
a dúvida do que eu quero...

Mais eis que chega um momento,
o fim do tormento,
onde a dúvida se faz certeza,
esteja onde esteja.

Eu voo o mundo

Eu voo o mundo
só pra esquecer
que no fundo
estou presa aqui.

Tento me libertar
das ruas,
das pontes,
das fontes,
do amor,
dos amados
de tudo o que é passado

E caminhar
em qualquer direção
outro céu
outro amanhecer
outro sim
outro não,
esperanças
em um vão.

Fera

Quem já viu muita morte
por vezes se torna pedra,
o coração cheio de amor,
e a aparência de fera.

Fera
que machuca e maltrata,
não conhece as
palavras
que de sua boca derrama em
chamas.

Fera
que não chora o
amor,
mas absorve tudo o que é
dor
e se petrifica.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Meu lugar

Debaixo da chuva,
na parada,
vejo a inundação
se aproximar.

Sou uma ilha
a espera do ônibus
de número desconhecido
que irá me levar
ao lugar de onde vim
e estou a procurar.

Chove
e a água afunda meus pensamentos.
pego o ônibus
qualquer de um destino que não
sei a quem pertence
e vou.

Chego
e abro todas as portas
de todos os andares
de imensos corredores
dos mais variados
lares.

No ultimo andar
vejo uma cadeira vazia
que diversas pessoas sentadas
me convidam a ocupar.




Caminho

Da chuva da noite passada,
o chão de terra molhada.
Das sombras da madrugada,
os verdes  da calçada.

Me ergo,
caminho,
aqueço,
descubro antigos
segredos.

Das montanhas distantes,
a vida de antes.
Do deserto de pedra,
o frio que congela.

Abro
os olhos,
estremeço.
Cada caminho
é recomeço.

Poesia suicida

Tem dias em que
toda a poesia
caminha para o desfiladeiro
sem medo.

Palavras
que nascem amputadas
em papéis amassados
jogados no lixo.

Triste destino!

Palavras-bomba
que detonam meus pensamentos
e depois desaparecem
como um sopro de vento.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Baleia

Uma baleia gigante
atravessou meu instante
e me trouxe de volta pro lar.

Estava andando nas areias,
a mar havia sumido,
eu já havia ido.

O deserto se aproximava
e, no lugar do nada,
me pus a nadar....

perdida
na areia, na ar, na mar,
sem nunca chegar.

cansei,
mas antes de afundar,
veio uma baleia me salvar.



Dias

Nos dias de chuva
danço nua.
Nos dias de sol
caminho só.
Nos dias azedos
bate um desespero.
Nos dias suaves
me alimento de saudade...
dos dias amarelos
doces que nem caramelos,
dos dias azuis,
em que dormia embalada de luz
E esqueço dos dias amargos,
que nem as lágrimas adoçavam.

Meditação

Todos bocejavam
em ritmo viciante,
lá fora a chuva, o vento,
aqui dentro a preguiça do pensamento.

E esse ar-condicionado gelado,
e a monotonia dessa voz sem cadência,
me mexo na cadeira
sem paciência.

Escuto o coro dos bocejos,
o mantra da palestra me desperta,
entro em estado meditativo
à espera...

sábado, 14 de setembro de 2013

vazia

O pé está no sapato
A perna se curva sobre a cadeira
A mão apoia o rosto
E o cotovelo sobre a mesa
Vazia

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Texto

Deixo-te interpretar meus textos,
apenas pelo desespero
de esperar,
na angustia
da esperança
de criança.

Leio-te
e defino teu destino,
libertador, aprisionador
não há escapatória para a
dor
de não ter.

Aquilo que nasce para outrem,
que sempre vai além
e volta
diferente,
modificado por outros olhares,
nem te reconhece.

Personagem

Sou o principal personagem
do site,
da televisão,
da revista,
do jornal,
da fotografia no chão.

Apanho
do chão,
do cotidiano,
do banal,
do racional,
do real,
da ficção.

E olho para mim mesmo,
esse personagem
representado no espelho.

Imagens

Enquanto a televisão
a mim assiste,
eu
assisto à televisão.

em sua tela,
estão passando
meus erros
cotidianos.

Desligo o aparelho,
um pouco de realidade,
abro a porta
e contemplo
as fotografias da cidade.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Agosto

À gosto de que
existe Agosto?

Não sei se é o
inverno
que aproxima esse mês do
inferno...
de repente é a
ventania
que varre toda
alegria...

Ao menos para mim,
Agosto nunca teve gosto,
nunca foi dez...
só des
des-ilusão
des-tempero
des-sabor
des-amor...

E à gosto
do desgosto
devorei agosto...

Só que hoje,
indigesto,
ainda arroto seus ventos...
levo
chuva e frio
dissipando
Setembro.






comprimido

estico
os dedos
os pés
as mãos
as pernas
os braços
e arrebento
o medo

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Mímico

Olho 'nu' espelho
e me vejo cada vez
mais parecido com o
ideal
de mim mesmo.

Ando
e meus passos são
mímica
de meus pensamentos.

Desamarrados,
oscilam com o
vento.

Faço das palavras
asas.
Qualquer papel é
destino.

Ontem,
Títere.
Hoje,
Pássaro.

Amanhã,
Eu mesmo
mais um nome refletido no
olho 'nu' espelho.




segunda-feira, 29 de julho de 2013

Amador

Um rosto esquecido
um corpo vencido
um copo invertido
na mesa de um bar.

Ama-dor.

Não soube jogar
envelheceu sozinho
tragado pelo vinho
morreu sem amar.

Entre

O entre,
a pausa,
a espera,
o sopro,
o estômago contrai,
um soco,
respiro,
piro
e digo...

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Encontro

Viajei,
atravessei rios,
montanhas,
florestas,
vulcões
e neves eternas.
Tudo isso para encontrar,
do outro lado do mar,
sentado num botequim,
a mim.

Aparência

Às vezes é preciso ir pra bem longe...
de tudo que lembre a gente,
que seja da gente,
que pareça com a gente
e que nem sempre é semente...
por vezes só-mente.

abandonei o espelho,
despi-me de meus próprios conceitos.

E fui para onde...

Os caminhos são esquecidos pelo tempo,
o vento me libera dos pensamentos,
presente... 
Só e o silêncio.

A fome, o frio, a sede, o medo,
a euforia, a tristeza, a alegria...
Vêm e vão, em vão...
sem afobação, sem desespero.

E, num momento impreciso,
em algum ponto perdido
ou num sopro qualquer de vento,
senti o aroma de minha essência...

Respirei fundo...
Voltei pra casa com uma nova aparência. 



Pequeno encontro com a tristeza

No frio da montanha mais gelada
encontrei uma tristeza sentada,
perguntei-lhe assim:
- Que fazes sozinha aqui?
- Nessas montanhas, sou sempre abandonada.
Estou descansando, meu caminho será longo.
voltarei a cidade, lá tenho mais oportunidades.
Desejei-lhe boa viagem,
ofereci um pouco de água e chá
e, em minha companhia,
continuei a caminhar.

Solidão

Solidão
é a negação de si.
Nunca estou só
quando tenho a mim.

Sono dos cansados

Não tem sono melhor
do que o dos cansados,
dos que viveram demais,
correram demais,
voaram demais,
sonharam demais
e, sem mais, dormiram.
Domestica-se humor.
estava escrito na placa
mais uma piada.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Dia

Anoiteci
Não percebi
Fui me acostumando a falta de luz
Tornei-me noite escura,
Nua, fria, sem estrelas e lua.

Abria os olhos e nao enxergava
Eu era um breu
Se andava, tropeçava
Se falava, gritava
Se ouvia, nada entendia.

Amanheci
Senti
Pelas frestas entravam cores fugidias
Me colorindo e esquentando
Anunciando o novo dia.

Desenterrei,
Abri os olhos e enxerguei
Eu era todo claridade
Iluminava e coloria
Em qualquer canto, em qualquer parte.

Na gaveta

Como abrir a gaveta a partir de dentro?
Esta' trancada,
Pelo visto não há ninguém na sala, na casa,
No escritório ou no sanatório.

E' dia, pelas frestas clareia a melodia...
N gaveta papeis (contas, telefones, anotações, rabiscos),
Lápis, caneta, uma calculadora, grampos, eu e poeira.

Há quanto tempo estou aqui?
Sem eira nem beira.
Preso perdido.
Fui esquecido?

Sento,
Pego um lápis, um papel
E começo a escrever meus inúteis pensamentos.


Apneia

Foi uma chuva tão forte...
Me levou todas as pedras,
Me lavou todos os cortes
E me deixou uma pneumonia...
Levada pela ventania...
Foi tanto Ar
Meu peito começou a inflar
E eu a flutuar
Até quase alcançar o sol,
Que muito afetuoso
Deu um sopro caloroso
E me devolveu ao lar...
Me enrolei no lençol
E continuei a sonhar.

Samba do sujeito

Sambava de mim,
Cantava de mim,
Ria de mim,
Carecia de mim....

Mas para seu tormento
Deixei de ser só mais um complemento
De suas ações.

Tornei-me sujeito, independente,
Comecei a cantar
Minha próprias canções.

Sambo (sem você)
Canto(sem você)
Rio(sem você)
Eu amo (sem você).

Balada da superação

Decidi...
Você não vai mais me da bola.
Não quero mais o seu carinho
Que tanto esperei
E você sempre me negou...

Estou bem...
Não ligo mais, nem levanto cartaz
Não fuço mais seu nome nas redes sociais.
Você! Já não precisa mais me bloquear,
Mandar dizer que não está,
que passe bem.

Decidi...
Você não vai mais me procurar,
Vai dizer que esta outra,
Sair com uma, beijar aquela, transar com todas.
Vai me dizer que eu so fui mais uma
E, na verdade, nunca gostou de mim.

Estou bem...
Pois sei que um dia partirás pro além.
Só torço pra que seja bem antes de mim.
Acompanharei o seu enterro,
Pra ter certeza de que não tem erro...
Levarei flores, me vestirei de preto,
Direi sorrindo a ti, querido...

Estou bem,
Melhor agora
Que me livrei de ti....

Balada do macho burguês

Às vezes em casa,
Fazendo nada,
Pensando nas duzentas amantes
Mal-amadas.

Contabilizo os corações
Rasgados, pisados,
Comidos, devorados.

Me sinto tão querido e amado,
Amargo, malvado, tarado?

Não sei...
Será que isso é amor?
Não sei.
Será que isso é horror?
Não sei.

Só sei que sou adulto, maduro,
Responsável,
Um cidadão civilizado.

Pago contas, impostos,
Tenho meu emprego
Casa, mulher e filhos no colégio
Carro, empregada...
Uma vidinha bem burguesa
Com cerveja,
Pelada junto com a rapaziada..
E supermercado no final de semana.

Tudo me parece tão bacana
Que agora eu vou vê um seriado na tv.

Balada da volta por cima

Sacaniei,
Conquistei sem nem mesmo querer,
So pelo puro prazer...
De ter
E depois jogar fora,
Ir embora
E desprezar...

Mas não te preocupes não,
Sem mim não vais ficar,
Nesse mundinho machista
Sei que vais reinar.

Não apele ó Flor,
Curta sua dor.
Eu já lhe contabilizei,
Agora outra esta na vez.

Eu sei.
Adeus, bye-bye,
Vou comprar roupas novas
E me reinventar...

Vou sair com outros caras,
Dançar, dar risadas e com sorte transar...
Acreditar noutras mentiras
E assim, novamente tornar-me feliz!



Balada da barba

Eu já acreditei em muitas barbas nessa vida...
Cerradas, falhadas, bem feitas, umas grandes, outras aparadas.
E hoje estou aqui,
Nem um bigode sobrou pra mim.

Peço uma cerveja com muito colarinho
Para sentir o toque de um leve bigodinho
E relembrar das noites de amor...

Do tempo em que tinha meu rosto arranhado
E meus ouvidos carregados
De mentiras de amor.

Agora, depois de mais um abandono,
A cerveja já secou meu pranto,
Vou ser feliz e viver...
Deixarei minha barba crescer!




De verde a podre

Na velocidade de uma lesma
Deu a volta por baixo
E conseguiu chegar ao local que estava
Com 20 anos de atraso.

Cansado do esforço,
Nem notou que não era mais moço.
Foi de verde a podre.
Perdeu o tempo de maduro,
Caiu do pé direto pro escuro.

Na velocidade de uma lesma
Afundou-se na terra,
Deu a volta por baixo
E chegou ao local em que estava
Com mais 20 anos de atraso.

Cansado do esforço,
Nem notou que sua semente não vingou.
E' que semente so' vinga onde tem amor.
Secou.
Morreu sem se transformar em flor.








sexta-feira, 7 de junho de 2013

Fim de espetáculo

Quebram-se os jarros
Morrem-se as flores

Enxugo minhas dores

E' chegado o fim da comedia
Por traz da cortina
So, o cenário, o palco
De mais  uma  tragédia

Ao bobo
Compete divertir o outro
Ao outro
Compete rir do bobo

Mas a luz se apaga
A cortina se cerra

Cacos e flores no lixo!

Nada se guarda
O bobo desperta

A cara esta limpa
A peca termina.



quarta-feira, 29 de maio de 2013

Saudade

Horas infinitamente lentas...
a vista cansa,
o ponteiro do relógio não anda,
o vento parado.
Amanhã, amanhã, amanhã,
sonho com a manhã
em que estarás ao meu lado.

Mas o tempo
não conhece a briza,
apenas a tormenta,
me concede minutos de felicidade
e infindáveis horas
de saudade.

Flor

Celebremos a vida,
os frutos cheios de amor,
um vasinho com uma flor

Abandono

Maldade maior
é arar a terra,
plantar sementes,
aguar todos os dias
de esperança, afeto, carinho,
assistir crescer
e desabrochar a flor...
para depois, abandonada
às intempéries do tempo,
vê-la murchar em dor.

Buquês de flores

Buquês de flores
são belos,
aquecem o coração,
despertam sentimentos

e vão.

Murcham rapidamente,
são frutos vazios,
sem raízes,
não geram sementes.

Buquês de flores
são o último suspiro do belo,
o enaltecimento da morte,
o rompimento de um elo.


segunda-feira, 13 de maio de 2013

não você não

o longe
me contou
que estaria
perto
de ser
você

o ausente
me avisou
que estaria
presente
para ser
você

E você,
distante,
não apareceu.





Desencontro

Palavras
molhadas,
más
e ditas,
umas sublinhadas,
outras engolidas,
por traz daquele copo,
do gole, do líquido,
foram o que restou.
Secaram os diminutivos,
as trocas de carinho
as palavras melosas,
o universo em cor-de-rosa.
Se fez deserto a floresta.
E, na minha direção,
voaram feito flechas
as palavras
malditas,
cuspidas
no inexistente brinde
de nosso último desencontro.






Para murchar uma flor

Para murchar uma flor
basta desprezar o amor.
Não sinta pena ou dor,
apenas esqueça
qualquer gesto de afeto,
cuidado, carinho.
A flor, por maus tratos,
definhará.
Mas atenção, esteja ciente:
A flor pode não murchar pra sempre.
O tempo, o sol, a chuva, o vento
novos amores e sentimentos
podem fazê-la reanimar.
Só que não será mais a mesma,
é provável que nem lhe reconheça,
mais bela, mais forte
mais difícil de murchar.

Véu de Maya

Nem o véu de Maya
suportou o peso da chuva.
Foi tanta água...
Ensopada,
desprendi-me da capa
e fiquei nua...
na noite,
no frio,
na chuva.
À boca,
o gosto amargo
das verdades,
que, umedecidas,
fugiam de meus olhos.
Engoli
e novamente senti
o inquebrantável fio da esperança
a me envolver
me aquecer, me secar
e em minha pele tecer
uma nova cobertura.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Suspiro


Piro
ou quase.
Eu sus!
eu mais do que
piro.

Balão

Murchinha esperava...
um sopro de carinho,
o toque do teu beijinho,
o calor de teu paladar.

Enquanto esperava,
meu coração se pôs a inflar...
e eu a flutuar...
No ar, no mar, amar?
Suspirar

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Sorriso

Só, o riso.
A boca é um sol.
O rosto aquecido
e eu esquecido.
Do que? De quem?
Das coisas do vai-e-vem.
Ah! Você...
Você... você,
Que quero tão, bem!

quarta-feira, 1 de maio de 2013

O diário de Clara


O telefone tocou. Clara correu para atender. Poderia ser João ou os novos amigos, com os quais havia combinado de passar o restante das férias. Mentiram para os pais, na verdade viajariam sós, sem adultos. Para Clara era uma mentirinha boba.
Renata, mãe de clara, não gostava muito das novas amizades. Achava que a filha estava mudando de comportamento, que não respeitava mais os pais. Clara se sentia incompreendida. As brigas entre as duas eram constantes. O pai, Carlos era mais condescendente, aceitava as vontades da filha, dificilmente impunha restrições.
-Alô!
-Mudanças de planos princesa!
Era a voz de joão. O coração de Clara acelerou. Ele era o principal motivo para ela não querer viajar com os pais para a casa da montanha, como sempre fizeram. João era mais velho, quase de maior, um misto de príncipe e 'badboy'. Clara era a menina dele. E ele, o primeiro namorado dela. Os pais não sabiam. Renata jamais aprovaria que sua filhinha namorasse um homem de verdade, que raiva!
João lhe ensinava o que era sexo, desejo. A vida com ele era sempre festa. Clara tinha aprendido a beber, a amar e também a fumar. Renata, por duas vezes, socorreu a filha, que passou mal por excessos alcoólicos. Minha filha, não foi pra isso que te damos educação. Você não era assim, são seus amigos, estão lhe destruindo.
Clara mandava a mãe calar a boca. Ficavam sem se falar e depois agiam como se nada tivesse acontecido. Renata não encontrava apoio no marido, o qual achava que era coisas da idades, depois passa, não sabia mais o que fazer.
-Oi joão! Meus pais estão me esperando, já estão no carro, voltei apenas pra buscar um casaco, eles vão me deixar na estação. Lá nos encontramos...Que mudança?
-Consegui um carro emprestado, vou te buscar. Estamos pensando em fazer uma festa também. Diz aos velhos qualquer história e me espera aí, depois te explico. Beijo.
-beijo. E desligou.
Clara abriu a janela da sala e gritou aos pais mais uma mentira. Deu adeus e desejou boas férias, falou que ficaria sempre com o celular ligado para manterem contato.
Carlos ligou o carro e saiu. Renata, do banco do carona, ainda olhou para trás, o coração não mão. “Deus proteja minha filha”.
Clara então foi procurar o casaco, não estava no seu quarto. Foi ao quarto dos pais. Será que algum dos casacos de mãe fica bom em mim?. Enquanto remexia no guarda-roupa, uma caixa caiu no chão, abrindo-se. Dentro diversos cadernos envelhecidos. Abaixou-se pegou um deles, abriu-o no meio.

Vejo minha filha repetir os erros que cometi quando era jovem, espero que esteja enganada, não quero vê-la sofre. Se arrepender das escolhas feitas. Gostaria que ela não tivesse que passar pelo que passei para amadurecer, para compreender a vida...nem todos os amigos são verdadeiros, são bons.

Clara fechou no susto. Era um diário de sua mãe. Não poderia ler. Mas ela nunca iria ficar sabendo...Cadê joão que não chega? Espero que ele não apareça com aquelas amigas, detesto quando está junto delas. Que demora! Ah! Quer saber, vou ler. Dona Renata sempre tão certa!
E começou a ler. Na primeira página escrito no alto “Clara”. Leu sobre a gravidez de sua mãe, o que quanto havia sido desejada. Sobre a dificuldade que a mãe tivera para engravidar. Sobre a escolha de seu nome 'Clara'. Os primeiros anos de sua vida, a escola, os amiguinhos. Leu também sobre o amor do pai e da mãe, de como amavam aquela filha, única. De como desejavam a sua felicidade e também de como muitas vezes discordavam quando o assunto era sua educação...
Parou a leitura e ligou para joão, não aguentava mais esperar:
-Alô!
-Alô! É Clara, com quem eu falo?
-É Mari, sou amiga do joão.
-Ah! Posso falar com ele? Sou sua namorada.
-João, Mais uma namorada. Atende. Mari ria.
Do outro lado da linha, Clara ouvia o que Mari falava, a raiva aumentando.
-Oi! João desligava o chuveiro e se enrolava na toalha.
-Sou eu Clara. Cadê você? Que demora? Quem é essa Mari? Não conheço nenhuma Mari. Você está onde?
-Calma gatinha! Que brabeza é essa. É só uma amiga, vai viajar conosco. Ou melhor, mudamos os planos, vamos fazer uma festinha aí hoje e viajamos amanhã, certo? É limpeza? Estou terminando de me arrumar, espera aí, tranquilo!
- Ai joão, festa? Tá, tá certo. Mas tenho que deixar tudo em ordem para meus pais não perceberem. João? É só amiga mesmo?
-Beijo linda! Não se preocupe. Chego ai mais tarde com a galera, levamos as bebidas. Fique bonita para mim.
-Tá certo! Vou. Beijo.
João voltou ao banho, acompanhado de Mari e Clara ficou em casa, esperando. As lágrimas já desciam no rosto quando resolveu continuar a ler o diário. No fundo sabia que João a traía, sentia raiva dele, mas o amava, sentia-se culpada. Era jovem, não tinha um corpão, não tinha a mesma experiência que as outras amigas de joão. Tentava ser igual a elas, tentava agradá-lo, mas parecia que nunca conseguia ser boa o bastante. E agora mais essa! Outra festa. Abriu o diário, avançou as páginas, queria chegar até o momento atual, continuou a ler.

Sei que minha filha está envolvida com algum rapaz, percebo a mudança no seu corpo, nas suas atitudes. Mas vejo que não é algo bom, ela está sempre com raiva, brigando, não aceita o que dizemos. Cada dia o diálogo fica mais difícil. Às vezes escuto seu choro, fico atras da porta de seu quarto escutando. Tenho vontade de entrar, de lhe acalentar, de conversar com ela, de saber quem está lhe machucando...Clara se veste, se comporta como se quisesse parecer mais velha. Ela não se aceita. Como gostaria de estar do seu lado, de dizer 'minha filha, quando o amor é de verdade, ele aceita as pessoas como elas são, não é preciso deixar de ser quem é. Isso não é de verdade, isso é jogo, é diversão'. Me vejo em Clara, antecipo sua frustração, falsos amores juvenis. 'não é preciso deixa de ser quem é Clara, se ele gosta de você, vai gostar do jeito que você é'...

Clara chorava, no fundo concordava com as palavras de sua mãe. Aquela não era ela, bebia, fumava, aguentava aqueles amigos, tudo era para ficar perto dele, para conquistá-lo, para ser aceita. Continuou a ler.

Clara não quis viajar conosco. Vai ficar com esses novos amigos, creio que algum deles seja o tal namorado. Deixamos. Foram muitas brigas, discussões... Meu Deus já não sei como chegar em minha filha! Saímos de casa, ela ficou, alguém lhe telefonou, desistiu de nossa carona até a estação de trem.

Clara parou de ler assustada. Aquilo não poderia ser possível. Não poderia estar escrito. Tinha acabado de acontecer, sua mãe estava no carro, não tinha como escrever isso, ela não tinha retornado a casa. Ainda assustada e sem entender o que se passava continuou a ler, o diário estava perto do fim.

Foram 5 dias de angustia, ligamos para ela todos os dias, diversas vezes, nunca atendia. Até que resolvemos voltar, não via a hora de chegar. Arrependida de tê-la deixado ficar com esses novos amigos, sequer conheci os pais deles. Como pude! Devia ter sido mais rígida, não devia ter cedido.

Ainda na estrada, não vejo a hora de chegar, espero que esteja tudo bem com nossa pequena. Precisamos conversar.

Clara estava angustiada. Como podia ler algo que ainda não havia acontecido.? Nada disso podia ser real, estava dormindo? Não, estou acordada, isso realmente está acontecendo. Nervosa, continuou a ler.

O portão estava aberto, do jeito que deixamos, a janela também, aberta. Corri para casa, Carlos estava assustado. Quando entramos, uma bagunça, bebidas em todos os cantos, subi as escadas até o quarto de Clara...Encontrei minha filha já sem vida há alguns dias, o corpo fedia. Estava nua, ao seu lado manchas de vômito. Havia bebidas, cigarros e drogas espalhados no quarto. O laudo médico foi conclusivo, parada cardíaca. Overdose. Como todos os participantes da festa eram menores, ninguém foi preso. Nem João, o namorado, que confessou ter oferecido a droga a Clara.
...
Carlos se culpa até hoje, mais de 5 anos se passou. Nossa vida, se é que podemos chamar de vida, é marcada por nossa culpa. Abandonamos quem mais amamos.
...
Ainda continuo a sentir sua presença, a escutar sua voz, seus passos, não quero ir embora dessa casa. Carlos acha que faz mal ficarmos. São muitas lembranças.
...
Vamos nos mudar em breve, estou encaixotando as coisas. Não levarei os diários, não devo viver mais no passado. Espero ainda poder ser feliz, com Carlos, vamos tentar viver!

Clara parou de ler. Olhou ao redor, poeira, quase não havia móveis, a casa estava vazia. No chão uma caixa aberta com cadernos empoeirados. Os diários. Pegou um lápis que havia na caixa e escreveu no resto da última folha do caderno que tinha em mãos.

Te amo mãe, te amo pai, me perdoem por tê-los causado tanta dor, obrigada por tudo! Obrigada pela vida! Compreendo mãe... minha vida foram minhas escolhas. Adeus.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Hotel das Flores

Fora sua última viagem de negócios. Tinha prometido à esposa que se aposentaria. Dessa vez não iria voltar atrás. Foram muitos anos de trabalho, muitas viagens...
Não teria chegado ao patamar que cheguei se não fosse assim.
É, tinham uma vida bastante confortável, uma bela casa, um belo jardim. Mas o quanto ela tivera que suportar... Um marido ausente, por vezes impaciente,  sempre focado no trabalho e as viagens constantes. A solidão de uma casa vazia.
Não tivemos filhos, não houvera tempo. Agora é tarde.
Mas se aposentaria. Receio como será. Mas estava resoluto. Eu prometo, Lídia, vamos recuperar o tempo...
- Chegamos senhor.
- Obrigada. Pagou o táxi, pegou as malas e dirigiu-se a porta de sua casa. apertou a campainha diversas vezes, ninguém atendeu. Remexeu nas malas, achou a chave...entrou. O telefone tocou.
-Alô?!
-Escute-me. venha buscar sua esposa no Hotel das Flores, quarto 1001.
Não teve tempo de responder, a ligação havia sido rompida. Apenas aquela voz masculina ressoava em sua cabeça. Largou as malas onde estavam, correu a casa chamando pela esposa. Sem resposta, saiu em disparada ao hotel, nem a porta da casa fechou.
- Táxi, táxi!. Motorista, por favor, Hotel das Flores...Esse nome?
No caminho, milhares de idéias se passavam em sua cabeça e ao mesmo tempo nenhuma. O que estava acontecendo? o que é tudo isso? Hotel? Lídia não seria capaz de ter um amante, não temos mais idade para isso.
Desceu do táxi e subiu até o quarto 1001. Um homem com uniforme do estabelecimento abriu a porta. Imediatamente viu sua esposa sentada em uma poltrona próxima à janela,  foi até ela. Lídia voltou a cabeça em sua direção  e em seguida tornou a olhar pela janela.
-Meu amor, o que Foi? O que você faz aqui? Olhe para mim! O que está acontecendo? que loucura! Você está doente? Febre? Olhe para mim! Sou eu.
Lídia não respondia, o olhar fixo, mas calmo, em direção à janela.
- O que se passa aqui? Perguntou voltando-se em direção ao funcionário do hotel, mas este já havia saído.
Sem saber o que acontecia a sua esposa, tentou de tudo para chamar sua atenção, fez perguntas e comentários aleatórios, contou como havia sido a viagem, falou até dos planos de aposentadoria.  Ela, imóvel. Ligou, então,  para a portaria do Hotel, ninguém atendeu. O celular! Droga! Ficou dentro da mala.
Molhou um pano e passou pela testa de sua esposa. Chamou-a em voz baixa. Suplicou-lhe que voltasse. Bateu em sua face. Nada. Não quero te deixar só. Que hotel era esse?
Sentou-se na cama. Como as horas passam rápidas. Parecia uma eternidade que estava alí. Olhou o relógio. Sentia-se só. Lídia era seu porto seguro. Era ela quem cuidava dele, nunca o contrário. Não sei mais o que fazer!
- Vou me aposentar, meu amor, lhe juro, decidi. Vou cuidar de você. Volte, olhe para mim, olhe pra mim! Nada adiantava.
Tentou sair com ela do quarto. levantou-a da poltrona. Mas não conseguiu senão alguns passos. Deitou-a na cama e sentou-se a seu lado.
- O que está acontecendo? O que fiz errado? Acorde, acorde. Te amo, não faça isso comigo. Lídia, volte! Chorou.
Exausto deitou-se ao seu lado. Segurou sua mão. Mãos finas, quentes. Ficou a lhe olhar. Como podia ser tão calma? Esse olhar tranquilo. Foi e continuava a ser bonita. A idade lhe fazia bem. As vezes acho que nunca te conheci ao certo...é minha culpa, Desculpa Lídia. Quando foi que deixei de te olhar? Quando foi que parei de escutar teu riso? O que nos aconteceu?
Ergueu-se, sentou-se ao lado da esposa e começou a despir-lhe a roupa lentamente. Prestava atenção em cada parte de seu corpo. Cada dobra, ruga de expressão, cada sinal do tempo despertava em sua cabeça  lembranças de um passado quase esquecido. A primeira vez nos vimos...o beijo! Vibrava só de te ver, como eramos jovens. quantas vezes fiquei escondido te espiando...o teu sorriso.
Despiu-se e entregou-se ao universo de Lídia, de corpo, de alma, inteiro.
...
Acordei, quarto 1001. Lídia já estava de pé, colocava as flores do nosso casamento em um jarro, sorriu quando me viu acordado e  afastou as cortinas.
- Meu amor, meu marido! Eu te amo e vou te amar para sempre!
O quarto cheirava a Lídia.
Levantei-me, fui ao seu encontro. Abraçados, nos beijamos e ficamos a admirar  a paisagem pela janela do hotel, era primavera.
- Quantos anos faz?
- Muitos.
- Por que te abandonei...
- Sempre te esperei. Mas foram  tantos anos que não lembrava mais ao certo de teu rosto, de teu corpo, de tua voz... Como não te achava mais dentro de mim, saí de casa, resolvi te procurar e pensei que aqui te encontraria. Deixei recado de que estava em teu aguardo,  me sentei e esperei. Desculpa se não te reconheci, se não te ouvi, me perdoa, foi a distância, a ausência, eu não queria, eu esqueci...
- Me desculpe, meu amor. Não diga nada. Foi uma longa viagem, mas voltei. Nos encontramos. Vamos recomeçar... Carinhosamente a beijei.
E como há muitos anos descemos do Hotel das Flores, quarto 1001, de mãos dadas, casados, felizes, com uma vida pela frente.



domingo, 21 de abril de 2013

Uma réstia de luz no chão

Uma réstia de luz no chão
ameaça destruir minha dor
com outra cor.

Aperto os olhos, conservo o sofrimento,
sou avesso às mudanças,
sempre falsas esperanças.

Mas não consigo represar por muito tempo...

Mesmo de olhos fechados,
sinto em meu rosto escorrer a umidade dos sentimentos,
que aquecidos, são esquecidos e evaporam.

A dor seca,
a alma se acalma,
a carne se rende.

Abro os olhos,
meu sentimentos
são o azul anil
do firmamento.




quinta-feira, 18 de abril de 2013

Reflexos

          A fila estava imensa. Roupa, sapatos, cabelo, batom, perfume e uma última conferida no espelho. Forçou o sorriso, que cara de cansada, mais uns drinks sei que me animo, maquiagem ok! Quem sabe hoje não conheço alguém especial?   
            Hoje vou arrasar e aguardava a vez de entrar. 
          Ana tinha 32 anos, morava só, trabalhava de segunda a sexta, fazia pós - graduação, aula de inglês, academia de ginástica. Saía de casa às 7hs e voltava às 22hs. Sua rotina era similar a de outras jovens de sua idade, seus objetivos também os mesmos: um bom emprego, um lar, constituir uma família, ser feliz.    
          Sexta - feira, sentia todo o peso da semana, dos compromissos cumpridos, dos adiados, do trabalho, do trânsito, das aulas, da dieta, da ânsia de um futuro incerto...A vontade era de dormir todo o final de semana. 
          Mas estava solteira, então, como outras, estava lá, na fila da boate do momento, cumprindo com a obrigação de se divertir, mostrando para todos o quanto era feliz.  
          Após uma longa espera, troca de olhares, conversas aleatórias, drinks e uns cigarros, chegou sua vez. Entrou. Mais uma noite, mais uma festa, novos amores?
          Foi direto ao banheiro e seguiu o ritual de sempre: retocou o pó e o batom, mexeu no cabelo, sorriu para si e saiu, cheia de si. 
          Bar, vodka, pista, ver e ser vista. E dançou, dançou dançou, movida pela vontade de sentir prazer e de esquecer. E esqueceu de si, e tomou outras doses, e voltou ao banheiro, e  retocou a maquiagem e viveu o ápice do prazer quimicamente elaborado. 
       O som, o som, o som, o sorriso e vermelho, a língua, o beijo, tum, tum, tum, barulho, homens, mulheres, o sexo, luz, sombra, a fumaça, as pessoas, a pele, o amanha, futuro? Solidão, e gira, e gira, e gira...Não consigo respirar! Fantasmas, o chão.
          Levantou - se com a ajuda de estranhos conhecidos e cambaleando sentou - se ao bar, acendeu um cigarro, pediu outra dose e olhou com desprezo para a pista, para os outros. Na boca um gosto de vergonha.
          Tanta produção, vícios, esforço, em vão, sentia pena de si...e baixou a cabeça. Foi então que se viu, refletida na superfície do balcão.
          A princípio não se reconheceu, via uma mulher mais velha e sofrida. Mas logo percebeu o engano, era ela, não lhe agradava, mas era ela mesma. Tinha um semblante de quem carrega o fado do futuro não realizado, dos sonhos interrompidos, das más escolhas feitas por si e atribuídas ao destino.
          Toda solidão e ansiedade estavam estampadas em sua cara, a maquiagem estava borrada. Ana se viu, viu e chorou. Deixou que as lágrimas lhe lavassem o rosto e os sentimentos. Alheia a todo o ambiente, às pessoas, ao movimento, ao som e à luz, apenas chorava.
          Olhou-se novamente, nunca havia se sentido tão inteira, consciente de si mesma. Olhou ao redor e viu marionetes a dançar, a beijar, a beber, a flertar, movimentadas pelas cordas da música alta, tudo é tão opaco! Nada era real. Futuros inteiros aspirados, vividos em horas que rapidamente passam e eu, nua, eu corro, nua, eu, no sol...
          Despertou com o apagar do jogo de luz, não havia mais pessoas, se levantou, saiu, para trás não olhou.

Sombra

De tanto silenciar o pranto
perdi a voz,
dei adeus ao canto.

Mesmo nos momentos alegres
o som não aparecia.
Eu não mais ouvia.

O mundo era apenas imagens
e eu só exergava miragens.

É que quando o pranto é mudo
não lava a alma,
seca os olhos, a voz, os ouvidos,
enevoa todos os sentidos.

E sem sentir nada faz sentido...

Nem o pranto,
nem o riso,
nem o canto
ou qualquer espécie de encanto.

Até a melancolia,
sem sentido, desaparecia.
A carne,
sem o tato, não existia.
Silêncio
era tudo o que havia.

Desapareci.

Sou silêncio,
ora negro, ora cinzento,
com trajes de noite
em plena luz do dia.

domingo, 7 de abril de 2013

New Idade Média

Imensos templos new-góticos se erguem loteando o firmamento.
Árvores são entre grades aprisionadas.
Pessoas transitam nas sombras, sobre ou subterrâneas.

E eu, na Idade Média da Contemporaneidade,
como hambúrguer com coca-cola
para afugentar esses pensamentos opacos...

pela transparência com que os letreiros luminosos
apresentam as mais novas orações...
ações, ações, ações, business.

Tenho que pagar a conta!
Abro a bolsa, procuro Deus
(queria o toque do sol)

Mas estou só.

Na Igreja do Consumo,
se não tenho dinheiro,
sumo.

terça-feira, 26 de março de 2013

Progresso

Era uma vez um poema urbano
que nasceu engarrafado
no meio do trânsito.
Carregado de ruídos,
cheirava à gasolina
e sua voz era uma buzina.
Nasceu fadado a provocar malefícios,
sob o signo do stress, do trânsito
e da queima do combustível.
Mas apesar do seu triste destino,
acreditaram, sem desatino,
que ele era moderno,
que rodava no caminho para o sucesso,
foi chamado de Progresso.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Meu rapaz

A claridade de teus conceitos morais te cega,
meu rapaz,
não te deixa ver o outro lado do verso.
toma esta taça de vinho tinto
do minto, do sinto, do instinto...
Quem sabe baco,em sua sabedoria,
te conduza ao anverso?
Só posso dizer que espero
Mais uma alma romper a forma alienante.
Meu rapaz,
o outro lado pode ser fascinante!
Imagina...
adorar a dúvida,
o banho de chuva,
as pessoas que se entregam,
os acontecimentos mais sinceros...
Ah! meu rapaz,
toma este vinho e te derrama
te deixa fluir
e ama, ama, ama...





Passageiros

passageiros...
eu,
os sonhos,
os amores,
os temores.
Num quarto de hotel,
espero o outro dia,
novamente,
sono,
melancolia.
Afasto as cortinas da ânsia,
sobra tristeza,
falta sabedoria.
Enxugo as ilusões,
abro a janela
e expiro as vãs sensações.
As luzes das casas estão acesas...
pequenas estrelas,
no universo dos lares,
iluminando
jantares,
amores,
temores,
passageiros...


Desejos

Queria te mandar uma poesia,
um beijo,
um abraço,
um bom dia...

Queria te dizer que sou tua,
inteira,
verdadeira,
nua...

Queria te ver novamente,
sorridente,
confiante,
amante...

Desejos não ditos,
escritos,
malditos,
intranquilos...

Desejos...
Inaudíveis,
na gritaria do dia,
Ensurdecedores,
no silêncio da noite...

quinta-feira, 14 de março de 2013

Pesadelo

Um grito
gutural,
grande
e agudíssimo,
grosseiro
e gravíssimo,
ressoou...longe...
onde, onde, onde?
ecoou, ou, ou, ou
não.
Foram meus pensamentos?
o vento?
a voz dos sentimentos?
a ânsia,
o drama,
a trama,
o enxame,
a chama,
a cama,
a lama,
o suspiro,
esqueço do umbigo
e me torno líquido
e aos poucos afundo
num mundo profundo,
escuro,
novamente durmo.


Passos de Bolero

A correria dos dias
é a sina de nosso tempo,
povoado de maus pensamentos
que apressados devoram
meus sentimentos,
tua paz,
nossa mocidade
e a lembrança daquela idade...
em que a cidade dançava
ao som de um bolero...
Em toda esquina era um encontro,
um sorriso, um lero-lero.

Não o barulho angustiante,
o grito, o agito,
o calor, o enxame,
o trânsito nauseante
de uma vida que não...

Para!

Me deixa ficar de bobeira
assistindo os passos apressados
daqueles que agoniados
não percebem a inutilidade
da ânsia
das gentes, das cidades...

Alienados!

Tiveram seus futuros roubados,
mas não, não se dão conta
de que a pompa,
o patrimônio, o dinheiro...
é tudo fachada do desespero.

E eu espero,
escuto,
venero
os dias que passam.
E eu espero,
danço,
venero,
meus passos são os do bolero.



terça-feira, 12 de março de 2013

A compra da poesia

- Quanto vale o metro quadrado de um minuto de poesia?
Pago pela poesia pronta,
já embutido no preço
o custo da inspiração.

- Obrigada, prezado Senhor.
Escute essa aqui, a seu dispor...
O acabamento é de um requinte contemporâneo,
foram utilizadas palavras de altíssimo conceito,
todos os versos, rimas, métricas  seguem os mais altos padrões
de poder, de ter ou de deixar de ser.

-E quanto me custará esse espaço de cultura para minha sofisticação?

-Foi de graça Senhor.
cultura não se compra
e poesia é tempo,
e o tempo já passou.

domingo, 10 de março de 2013

Recife & Olinda


Olho pela janela 
e vejo Olinda
minha cidade natal,
leve e linda.
De música e poesia
são feitas tuas ladeiras.
Entre histórias e melodias
cresceste de todas as maneiras.
Mas não perdeste o charme
com o avançar da idade
Tua tradição é mais contemporânea
do que os programas de televisão.
Só te conhece quem te vive e te sente
quem anda por tuas ladeiras
embebido de frevo
no calor, na chuva, na certeza
de que não tem maior alegria
do que teu carnaval cheio de fantasia.

Como uma tapioca
e assisto o sol se deitar
em Recife
a cidade alvoroçada
que também é a minha casa.
Se teus rios falassem...
contariam toda a mudança
porque passou tua paisagem
a cada idade uma nova cara,
uma nova imagem.
És minha província preferida
tens beleza e loucura
em cada canto, em cada ponte, em cada esquina.
Caminho nas areias de boa viagem
compro as fantasias no vuco-vuco da cidade,
depois peço a benção no morro de Casa Amarela
me despeço de ti, Recife, tão bela,
vou passar meu carnaval noutra cidade linda, chamada Olinda.

Existe uma alegria


Existe uma alegria
que só se encontra
na harmonia
de uma canção de samba,
da pessoa que ama,
daqueles que são íntimos,
dos amigos queridos,
de uma criança contente,
de quem se sente presente.
É uma alegria
que contagia
e afasta toda a tristeza 
da melodia.
é um som transparente,
é barulho, é ruído
de quem está contente
e dança
a dança
na cadência
dos braços
de um amigo, de um amante, de um amado
conhecido ou desconhecido
entre sorrisos 
e abraços.

Existe uma alegria
que só numa voz de samba
num canto de amor
se anuncia
e se faz presente.
faz sorrir minha alma
traz a paz
eu fico contente
e danço
a dança
na cadência de teus braços
meu amor, meu amado,
te conhecendo ou não,
sou só sorrisos
e abraços.

Vão

Vão
ficou meu peito
amarga
é a sensação.

Em vão
meus desejos
meus pensamentos
meus sorrisos
meu fingimento.

Vão
chegaste
te acomodaste
sorrimos
me conquistaste

Mas é em vão
os amores
e as amarguras
dos jogos de ilusão.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Ausência

Ele vem,
desperta meus sentidos
e vai

Nem olha para trás

Durmo pensando
no dito
no não dito

no indizível

Abro os olhos
e nada.
foi sonho?

Apenas indícios da noite passada.

Em minha pele ainda está seu cheiro,
na boca o gosto do beijo,
quando fecho olhos ainda te vejo.

Meu corpo inteiro é só desejo.

Relembro dos abraços,
do calor de teus braços,
do movimento,

dos eternos passageiros momentos.

Mas acordo só,
quero tua presença
e recebo apenas

ausência.

sábado, 2 de março de 2013

Esperança

À morte estás condenada.
Nascestes para ser defunta,
pois és infundada,
tua conclusões
não tem causas.

Doce palavra que aos sonhos embala
e coloca à deriva num mar de ilusão
passageiros, tripulantes e capitão.
Para tu não há salvação.

Chegas sorrateira, te instalas em meu peito,
faz de mim teu leito perfeito.
Me enches de verdades,
escuto confidente, acredito em tua sinceridade.

Cegas meus olhos,
enebria meus pensamentos,
confunde meus sentimentos,
me envolves no teu véu de Maya.

Te entrego o leme
e me perco
e me deixo vaguear
nessa névoa que é teu mar.

Até que um dia afunde na cegueira
ou desperte pelo sol da clareza...
Adeus Ardilosa!
és mentira, és nada,
à morte foste condenada!

sexta-feira, 1 de março de 2013

Transeuntes

Contemplo
a velocidade
dos traseuntes
que passam
nas calçadas.
vidas corridas,
semblantes sofridos,
rugas de preocupação,
ação, ação, ação.
O descanso,
a espera de fechar
o sinal de trânsito.
Continuo meu trajeto,
até chegar a minha vez,
desço da condução
e ação, ação, ação.

Do outro lado

-Do outro lado da janela
Ela.
-Do outro lado da parede
Ele.
-Escondida pela cortina,
sequer me atina.
-Atrás de uma pilha de livros,
nem sabe que existo.
- fecho o livro, dou um gole no vinho, e deixo os pensamentos me levar
vou até a janela, quem saber vê-la passar.
-Afasto a cortina, abro a janela, deixo a luz entrar.
Olho, e do outro lado ele a me olhar.
-Apesar da distância, da argamassa, do transito e do cimento,
o vento me traz seu perfume, seu olhar, seus pensamentos.
-Me cumprimenta, levanta uma taça, diz que veio me ver passar.
Sorrio, é hora de se encontrar.

Probabilidade

A lógica dos resultados exatos,
o dever de seguir os trâmites corretos,
as regras das teorias dominantes,
a imposição do que é certo
e os incontáveis manuais de intruções...

Foi criado numa caixa de boas maneiras,
lugar herméticamente calculado.
Saiu de lá absolutamente quadrado.

Não conseguia se acomodar em qualquer espaço.
Rígido, pontudo,
machucava todos e tudo.

Tornou-se matemático.
Mas não dos criativos,
e sim daqueles que só vêem problemas e só criam empecilhos.

só que um dia, por seus próprios passos,
tropeçou
e caiu num poço, numa poça, num riacho, num rio, num lago, num buraco...num mar, num ar, num azar...
de probabilidade,
que aparou suas arestas.

Tornou-se esfera,
ora flexível, ora fera.
De certeza, só tinha a dúvida.
Tomo cerveja ou como uva?
Redondo, chegava a ser cômico.
Como matemático,
um fiasco.
Mas, como músico,
criava melodias de números imaginários
e canções de ilógicos resultados,
que alegravam a todos e a tudo.
E assim, se acomodou no mundo.

Todo pé
tem seu chão.
Todo chão
tem seu botão.
Todo botão
tem sua flor.
Toda flor
tem seu amor.
Todo amor
tem seu pé.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Restos de fantasia

Quando a vida se agita paro com a escrita.
Mas remédio de ocupação só esconde depressão.
E o sonho é o revelador do filme preto e branco da frustração.

No olho do furacão,
fecho os olhos com medo da poeira.
Só que os pés não tocam o chão,
até o centro é de ilusão.
Por trás do agito, do sorriso,
um monte de besteiras.
Expectativas, conquistas, desejos,
alimentos do desespero
abafado pela musica alta.
Mas toda festa acaba.
o barulho, a dança, os sorrisos, os devaneios, basta!

Depois do furacão sempre vem a tempestade.

É o cuspe da realidade
que me joga no chão.
E ao meu redor…restos de fantasia.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

sábado, 26 de janeiro de 2013

Prisioneira

Não adiantou o grito
-de sua voz inaudível-
As conversas com os íntimos,
as seções no analista,
o choro, a reza,
o passar do tempo
e o avançar da idade.
Passou a vida presa.
Acorrentada aos erros, aos medos
e aos traumas de um passado
que, de tão presente,
fez-se pedra, fez-se vivo, fez-se gente
e a manteve prisioneira
num vale cercado por cordilheiras.



segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Mão

Estralo os dedos,
menos um nó, menos um medo.
E essas mãos calejadas
de tanto desatá-los.

Sinto a palma puída,
por mais que passe a borracha,
os escritos sempre deixam marcas.

Entre os pontos e as vírgulas,
nas entrelinhas de minha mão
é que estão minhas feridas.

Mas, apesar do destino,
desenho sem desatino,
traço após traço,
as linhas de meus próximos passos.


Entre livros

Circunspecto
era seu aspecto.
Era todo consoante,
sua voz circunflexa
ecoava dissonante.

Nunca riu,
foi educado pra ser frio.
Denotativo,
respondia uma interrogação
sempre com um ponto de afirmação.

Até que um dia caiu do dicionário.
Desconcertado,
foi obrigado a viver noutro cenário.

Procurou o livro mais perto,
aquele que estivesse aberto.
Em suas páginas adentrou
e para sempre se modificou...

Divertido
passou a ser o seu tipo.
Se tornou todo o alfabeto
e sua voz afinada
por todos os cantos entoava.

Sempre ria
ao fim de uma melodia.
Conotativo,
todas as suas canções
tinham duplo sentido.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Perto de mim

Primeiro era o Branco
Então fiz uma flor,
Que logo se multiplicou
Num imenso jardim
de cor.

Ajuntei um céu azul-calmante,
Um sol de amarelo-radiante
Uns pássaros cor-de-flores,
Umas nuvens de algodão-doce
E umas estrelas elegantes-brilhantes.

Bem ao longe, surgiu inconscientemente
Uma casinha de música
Verde, da cor da grama,
De janelas laranja,
Feitas para quem ama.

Era meu casulo.
Meu mundo seguro,
Parar viver,
Para amar
E com meu bem compartilhar.

Então dobrei meus desejos,
Guardei no bolso e saí.
Andava assim,
com meus sonhos perto de mim.




terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A Baco

Sob a influência de Baco
disse a verdade:
"que não adianta disfarçar a ansiedade,
que maturidade não é questão de idade,
que sou verde sim, mas sou feliz assim".

E a cada "cale-se"
me enebriava mais.
Contei que minto, lamento, amo, sinto,
que sou cheia de dúvidas,
que ora sou inteligente, ora estúpida.

Mas de tudo o que falei, o mais certo meu bem
é que sou insegura.
Porém forte, como vodka pura.
E se te conto esses detalhes de minha personalidade
é porque bebi umas taças a mais de sinceridade.

Apenas ando

Quando tropeço,
não faço gestos
de dor, dessabor, desamor.

Mesmo quando caio,
apressado me levanto,
sem prantos.

Sei que cada machucado,
pelo tempo,
é cicatrizado.

No mais, continuo andando.
Muda o solo, a paisagem, a idade,
apenas ando.

Sala de Espera

Insensatez.
Uma sala amarela, quadrada,
pessoas sentadas,
aguardo a minha vez.

Já não há mais fantasia.
Fileiras de cadeiras,
autómatos de cera,
espero na fila, sem melodia.

É tempo de vida seca.
Pessoas à espera.
Mergulho nos meus pensamentos,
a falta de alegria é o mal de nossa era.

-Não, não sente.
-Ação!
Enquanto corres, escuto os primeiros acordes,
se acorda minha imaginação.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Era uma vez um poema

Era uma vez um poema vadio,
um tanto rude,
que não fazia planos pro futuro.
Não tinha ritmo, nem meta
afora o sentimento,
tudo, até a rima, lhe faltava.

Poema de quem escreve
sem estar no clima.
Incompreendido,
desalinhado.
não pela falta de terno,
mas pela falta de linho.

Poema que acabou largado,
ficou sozinho.
Vagueava pelas ruas cabisbaixo,
calado,
sem o vigor da melancolia
ou a falsa inocência da alegria...    

Era um poema bêbado,
pobre, sem dinheiro,
que não entrou pra nenhum livro,
não ganhou nenhum concurso,
passou a vida nas esquinas
e foi morto num beco escuro.
                                                                                                        


sábado, 5 de janeiro de 2013

Em casa

Escuto os passos,
é o Passado,
que mandei embora.
Desce as escadas com raiva,
a madeira range,
o chão treme...
É o som da casa que esperneia.
Os móveis não compreendem,
os talheres se consolam,
os lençóis...respiram o último cheiro
do passado que não deveria estar presente,
que como tudo o que é passado
já nasceu ausente.

Escuto o bater da porta,
dou o último suspiro do alívio.
Silêncio.
Eu.
todos os ruídos são meus.
E assim permaneço,
dia após dia,
sou minha própria companhia.

Escuto uma batida na porta,
acostumada com a solidão grito:
"Vá embora".
-Sou eu, o Futuro,
acaso cheguei em dia obscuro?
Desço correndo as escadas,
abro a porta e digo:
"Não, entre, a cama está quente,
acomode-se e se faça presente".