quinta-feira, 18 de abril de 2013

Reflexos

          A fila estava imensa. Roupa, sapatos, cabelo, batom, perfume e uma última conferida no espelho. Forçou o sorriso, que cara de cansada, mais uns drinks sei que me animo, maquiagem ok! Quem sabe hoje não conheço alguém especial?   
            Hoje vou arrasar e aguardava a vez de entrar. 
          Ana tinha 32 anos, morava só, trabalhava de segunda a sexta, fazia pós - graduação, aula de inglês, academia de ginástica. Saía de casa às 7hs e voltava às 22hs. Sua rotina era similar a de outras jovens de sua idade, seus objetivos também os mesmos: um bom emprego, um lar, constituir uma família, ser feliz.    
          Sexta - feira, sentia todo o peso da semana, dos compromissos cumpridos, dos adiados, do trabalho, do trânsito, das aulas, da dieta, da ânsia de um futuro incerto...A vontade era de dormir todo o final de semana. 
          Mas estava solteira, então, como outras, estava lá, na fila da boate do momento, cumprindo com a obrigação de se divertir, mostrando para todos o quanto era feliz.  
          Após uma longa espera, troca de olhares, conversas aleatórias, drinks e uns cigarros, chegou sua vez. Entrou. Mais uma noite, mais uma festa, novos amores?
          Foi direto ao banheiro e seguiu o ritual de sempre: retocou o pó e o batom, mexeu no cabelo, sorriu para si e saiu, cheia de si. 
          Bar, vodka, pista, ver e ser vista. E dançou, dançou dançou, movida pela vontade de sentir prazer e de esquecer. E esqueceu de si, e tomou outras doses, e voltou ao banheiro, e  retocou a maquiagem e viveu o ápice do prazer quimicamente elaborado. 
       O som, o som, o som, o sorriso e vermelho, a língua, o beijo, tum, tum, tum, barulho, homens, mulheres, o sexo, luz, sombra, a fumaça, as pessoas, a pele, o amanha, futuro? Solidão, e gira, e gira, e gira...Não consigo respirar! Fantasmas, o chão.
          Levantou - se com a ajuda de estranhos conhecidos e cambaleando sentou - se ao bar, acendeu um cigarro, pediu outra dose e olhou com desprezo para a pista, para os outros. Na boca um gosto de vergonha.
          Tanta produção, vícios, esforço, em vão, sentia pena de si...e baixou a cabeça. Foi então que se viu, refletida na superfície do balcão.
          A princípio não se reconheceu, via uma mulher mais velha e sofrida. Mas logo percebeu o engano, era ela, não lhe agradava, mas era ela mesma. Tinha um semblante de quem carrega o fado do futuro não realizado, dos sonhos interrompidos, das más escolhas feitas por si e atribuídas ao destino.
          Toda solidão e ansiedade estavam estampadas em sua cara, a maquiagem estava borrada. Ana se viu, viu e chorou. Deixou que as lágrimas lhe lavassem o rosto e os sentimentos. Alheia a todo o ambiente, às pessoas, ao movimento, ao som e à luz, apenas chorava.
          Olhou-se novamente, nunca havia se sentido tão inteira, consciente de si mesma. Olhou ao redor e viu marionetes a dançar, a beijar, a beber, a flertar, movimentadas pelas cordas da música alta, tudo é tão opaco! Nada era real. Futuros inteiros aspirados, vividos em horas que rapidamente passam e eu, nua, eu corro, nua, eu, no sol...
          Despertou com o apagar do jogo de luz, não havia mais pessoas, se levantou, saiu, para trás não olhou.

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