segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Bailarinas de cerâmica


Neste palco de papel opaco, 
rodopiam bailarinas de cerâmica.
Paciente, espero o fim da dança,
anunciado pelo tilintar dos passos.

Executo meu ofício, recolhendo os cacos.

Lá fora, o homem guarda a chuva,
escurecendo o dia com sua sombrinha.
Aqui, apago as luzes do teatro,
finda a esperança do próximo ato.

Noturnos à luz do dia,
avançamos sem avanço
os pés presos no solo,
o solo preso no cimento.

Fragmentos de bailarinas no pensamento.



Monocromia

Mais um dia,
tudo bem,
tudo sem,
monocromia.

Monotonia
cinza
que me veste
de asfalto.

Paro na calçada,
na espera
de um sinal,
do próximo passo.

De vermelho,
só os olhos
pesados
de cansaço.



quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Poema diabético

Um poema diabético se origina do leite condensado,
é trabalhado no chocolate
e ao creme de leite é misturado.

Um poema diabético é desprovido do sabor do brigadeiro,
(pausa para um suspiro)
do doce de leite, de goiaba, de jabuticaba ou do sorvete de queijo.

É um poema sem palavras doces,
cajuzinho, beijinho, moranguinho...
Que vê perigo até nos diminutivos!

Mas nem por isso deixa de ser salivante,
aumenta imediatamente a glicose no sangue!


sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Dasdores

O mundo não é dos Sonhadores
talvez seja Dasdores
que passa todos os dias
por essa calçada descalça.

Tudo para ela lhe corre bem
se é amargo, se arde, está sempre sem
se queixar da vida, ou da sorte.
Caminha como quem caminha pra morte

Com passo certeiro,
murchando as flores dos canteiros,
Dasdores não engana,
não teme, nem finge que ama.


quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Retratos de família

Procuro nos porta-retratos
os destroços de meu passado,
as magoas familiares,
a ruína de todos os lares.

Rostos que não dizem nada
sorriem de minha desgraça,
eternizando ficções,
margarinas de emoções.

É possível ler meu presente
nas entrelinhas dos ausentes?
Que gosto terá o passado
de um futuro  amargo?

Em busca de sentidos,
devoro as fotografias
de parentes esquecidos.

Memórias queimam no estômago.
Na boca, um gosto ácido,
uma ânsia de vômito.